Jorge Semedo Mascarenhas: Sinais de mudança Entrevista
O presidente da Associação Cabo-verdiana dos Gestores e Técnicos de Recursos Humanos (ACG-RH) fala da realidade do seu país no âmbito da gestão das pessoas. Jorge Semedo Mascarenhas vê «sinais de mudança de cultura de uma gestão tradicional para a gestão estratégica de recursos humanos», mas considera que ainda «há um longo caminho a percorrer» e que «o sucesso vai depender dos próprios gestores de recursos humanos, que têm de perceber quais são os seus verdadeiros papéis no actual contexto».
Por António Manuel Venda

Como começou o projecto de uma associação de profissionais de recursos humanos em Cabo Verde e como foi concretizado?
A ideia surgiu em 2003, quando estive a estagiar na APG, em Lisboa. Com o meu regresso a Cabo Verde, vi que era necessário organizar e dar visibilidade a esta área; fui construindo ideias, dialogando com os colegas, e em 2011 conseguimos mobilizar e criar uma equipa de amigos e colegas que actuam na área de recursos humanos. Nesse mesmo ano formalizámos oficialmente a associação.
Quais são os vossos desafios mais imediatos?
A curto prazo são os seguintes: mobilização de espaço para a instalação da sede da ACG-RH; criar o ‘site’ da associação, para que esta possa dar visibilidade e comunicar melhor com os parceiros; organização de um seminário Internacional sobre gestão de recursos humanos com a participação de todos os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); e fazer uma campanha mais agressiva com objectivo de divulgar e angariar mais sócios individuais e colectivos.
O que representa esta associação para os profissionais que gerem pessoas nas empresas em Cabo Verde?
Representa um espaço de partilha de boas práticas nesta área e também a oportunidade de desenvolvimento de competências, através de ofertas formativas, seminários, ‘workshops’ etc; e a oportunidade de conhecer as boas práticas nos mercados internacionais, nomeadamente nos países de CPLP, e replicar essas boas práticas nas nossas organizações. Além disso, pode contribuir para a mudança de paradigma na forma de gerir as pessoas em Cabo Verde.
Que retrato pode traçar da área de recursos humanos no seu país? Sobretudo a partir de um olhar necessariamente privilegiado, como presidente da associação?
Vejo que há sinais de mudança de cultura de uma gestão tradicional para a gestão estratégica de recursos humanos; todavia, há um longo caminho a percorrer e nesta caminhada o sucesso vai depender dos próprios gestores de recursos humanos, que têm de perceber quais são os seus verdadeiros papéis no actual contexto. No fundo, eles têm de passar, entre aspas, de vítimas para provocadores. Isto coloca por conseguinte outra questão, que tem a ver com as competências que os mesmos devem ter.
De que forma é vista a área de recursos humanos na generalidade das empresas de Cabo Verde pela gestão de topo?
Levando em conta que não tenho conhecimento de estudos empíricos nesta matéria, a minha percepção é de que todos dizem que se trata de uma área importante, mas em termos práticos há poucas intervenções no sentido da sua valorização. Acho que isso tem a ver com o ciclo de mudanças que vai acontecendo; e sobretudo a partir do momento em que começamos a medir a contribuição que a área de recursos humanos dá para o desenvolvimento do negócio, poderemos dar um grande salto.
Que tipo de empresas aposta em ter departamentos de recursos humanos dotados de meios humanos e de competências para serem um efectivo parceiro do negócio?
Neste momento, a generalidades das empresas de média dimensão, tanto a nível de serviços como de indústrias.
Há empresas que ainda não fazem essa aposta? Quais são, as que têm menor dimensão?
Sim, sobretudo as que têm menor dimensão, cujo sector de recursos humanos é coordenado pela respectiva Direcção Administrativa e Financeira.
Que análise faz do tecido empresarial de Cabo Verde?
É constituído por uma maioria de empresas de serviços e por poucas empresas industriais, com a predominância de micro e pequenas empresas. Este tecido empresarial enfrenta algumas dificuldades no que tange à pequenez do mercado, ou seja, ao consumo dos bens e serviços produzidos e à qualidade e à quantidade da mão-de-obra qualificada. Nesta perspectiva, o mercado deverá preparar-se para a internacionalização. Falta uma articulação entre as necessidades reais do mercado e a mão-de-obra disponível para trabalhar. Isto significa que toda a política de educação e formação tem que ser virada para as reais necessidades do mercado de trabalho.
Consegue ver um espaço de evolução para a área de recursos humanos, sobretudo em termos de integração de práticas de referência de outros países no âmbito da gestão das pessoas?
Sim. Acredito que as nossas organizações funcionam como um sistema aberto, num mercado global, e que as melhores práticas serão seguramente factores de diferenciação e de criação de vantagens competitivas.
O espaço lusófono pode funcionar nesta área para que as empresas de Cabo Verde encontrem ‘benchmarks’ que ajudem a melhorar a gestão do seu capital humano?
Sim. Uma vez que temos muitas empresas multinacionais de sucesso com boas práticas nos vários países de CPLP.
O facto de Cabo Verde ter vindo a receber diversos investimentos do exterior, inclusive de países de fora do espaço lusófono, tem de alguma forma mudado a gestão das pessoas no tecido empresarial do país?
Penso que sim. Muitas empresas que investem o seu capital em Cabo Verde acabam sempre por investir de forma directa ou indirecta na melhoria de competências dos seus colaboradores. Isto significa que naturalmente acabam por aplicar práticas de gestão herdadas de outras culturas.
Como vê a formação de profissionais para gerirem recursos humanos no seu país? Que constrangimentos nota e que boas práticas consegue apontar neste âmbito?
Neste momento, o mercado de formação está a ganhar uma nova dinâmica, com o aparecimento de algumas empresas nacionais neste sector, mas sobretudo com a penetração de várias empresas estrangeiras, mormente as portuguesas. Todavia, muitas acções de formação não têm êxito, devido a um custo elevado de participação para a nossa realidade.
Sendo presidente de uma associação de profissionais de recursos humanos, como vê o seu próprio desafio de no dia-a-dia gerir pessoas?
O meu desafio do dia-a-dia é aprender e aprender sempre, através da aposta na formação contínua da minha pessoa, independentemente do investimento na formação que a empresa faz. Por outro lado, é tentar conciliar os interesses individuais dos colaboradores com os interesses da empresa, de forma sustentável.
O que é que esta actividade, de gestor de pessoas, já lhe ensinou que considere mais valioso?
Aprendi que na vida é preciso ter muita coragem e determinação e não desistir nunca dos nossos objectivos, e acreditar no nosso potencial. Claro, com muito trabalho. Aprendi também a ter uma mente mais aberta, sobretudo a ouvir e ver outras perspectivas.
Como é que esta actividade surgiu na sua carreira e como é que ela tem contribuído para o seu próprio desenvolvimento, seja como profissional, seja como ser humano?
Em primeiro lugar, pela minha formação académica, uma vez que tenho uma licenciatura em «Gestão de Recursos Humanos» e um mestrado em «Gestão de Empresas». E também porque é uma área que ajuda as pessoas a mudarem a sua atitude e o seu comportamento, que é algo que considero determinante para o sucesso pessoal e profissional. A pessoa passa em primeiro lugar a conhecer-se a si mesmo de uma forma melhor, ou seja, a perceber melhor a sua personalidade, tal como a dos outros, e por conseguinte pode ter uma melhor percepção do mundo.

Jorge Semedo Mascarenhas é mestre em «Gestão de Empresas» pelo ISCTE (Lisboa) e licenciado em «Gestão de Recursos Humanos» pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa). Iniciou a carreira profissional em 2003, como técnico superior do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional de Cabo Verde). Foi director do Centro de Emprego e Formação Profissional da Praia, entre 2005 e 2008. Actualmente é director de recursos humanos do Grupo SITA (Sociedade Industrial de Tintas SA), cargo que desempenha desde 2008. Já foi professor universitário (ISCEE – Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais e Universidade de Santiago), ministrando as disciplinas de «Gestão de Recursos Humanos» e «Comportamento Organizacional». É formador em cursos de formação profissional. É presidente da Associação Cabo-verdiana dos Gestores e Técnicos de Recursos Humanos (ACG-RH).

30.10.12

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